terça-feira, 11 de setembro de 2012

Dentro do Quintal, Tudo é Possível...



 Por Arlindo Bezerra...

É difícil relatar na escrita, o que aconteceu de forma tão viva no período de trabalho com o Zé Walter, o terceiro Luna Lunera a nos visitar e compartilhar experiências conosco. Já esperava que este seria o momento de iniciarmos escolhas, já havíamos sido provocados pelo Odilon e Cláudio, o primeiro na relação com a palavra enquanto ação vocal, e o segundo com a técnica do Contato e Improvisação e o viewpoints, ambos em diálogo com a obra do Manoel de Barros. A função que estava reservada para o Zé Walter neste momento do processo, era de ser um olhar organizador para o que já havia sido criado, respeitando a criação individual e coletiva da Bololô. O Zé executou com muita inteligência esse trabalho. Confesso, que estava muito tenso no nosso primeiro encontro, tinha medo de desapontar as expectativas que poderiam existir, mas o olhar carinhoso que fomos criando entre todos, foi gradativamente me deixando confiante para se entregar e desnudar-se. Já sentia que não precisaria existir uma preocupação de desapontar ou não, a cumplicidade já estava estabelecida na atmosfera do nosso trabalho. 
            Em um primeiro momento, depois de havermos conversado sobre o trabalho, e tentado explicar o percurso do processo, o Zé nos pediu para revelar na cena os caminhos que havíamos percorrido. Fomos lembrando de alguns procedimentos que tínhamos experimentado e entramos em laboratório com um espaço muito aberto para o que poderia acontecer. E aconteceu... Revelamos algo. Uma das primeiras coisas que o Zé considerou foi sobre a música dentro do trabalho, fazendo-nos perceber o quanto a criação em laboratório estava sendo guiada pela música. E nos colocou em um estado de silêncio, explorando as outras sonoridades que podemos provocar. Individualmente foram feitas várias observações com muita sensibilidade e cuidado. Cada um escutou coisas muito preciosas e que pertencem a cada. Escutar e refletir, pra mim era suficiente...
            A generosidade do olhar que vi pulsar nos olhos do Zé trazia também o pensamento de um grupo e a compreensão sobre o fazer cênico de um coletivo. Todos os retornos que o Zé nos deu me fez acreditar ainda mais na força do nosso trabalho. Longe da vaidade do ser bom ou ruim, mas na possibilidade de uma coerência que podemos construir enquanto grupo, apropriando-se de um método de criação que nos pertença. O trabalho do Retrato está para além de um espetáculo, faz parte de um processo de formação de um grupo. Fico muito feliz e emocionado com a oportunidade de termos como mestres os queridos do Luna Lunera (BH), um grupo que cativamos uma profunda admiração.
            O trabalho com o Zé Walter nos fez pensar qual o lugar deste espetáculo, iniciando uma criação de livres associações e conceitos com a obra do Retrato do Artista Quando Coisa. A dramaturgia começou a ser desenhada. Questões do tipo. O que essa obra fala? Qual o espaço deste lugar em que essas quatro-coisas-corpo estão imersos? Como provocar imagens e sugestões? Como dessacralizar o texto poético? Lembro que no ensaio aberto o Zé nos instigou a pensar o que é o universo do Manoel. Surgiram várias definições: Poeta de quintal, Meninos brincam no terreno baldio, e ainda, “dentro do quintal tudo é possível”. Estamos no terreno da desutilidade, acredito.
            Sobre o ensaio aberto, foi uma experiência reveladora. Abrimos o processo para o olhar de um público virgem. Me senti muito desafiado e provocado em fazer o trabalho, fiquei muito orgulhoso da entrega que o coletivo teve, a energia que irradiamos um para o outro foi incrível. Acreditamos no trabalho que mostramos. E entendo que o ensaio não nos traz um resultado congelado da criação, não podemos nos colocar em uma zona de conforto acreditando que o trabalho está pronto, e acho que nunca estará. Sei que há um longo percurso ainda a ser caminhado.
            A sintonia de trabalho de criação da equipe e a entrega ao processo, tem sido muito significativo também, conseguimos criar diálogos muito provocadores e intensos. É visível o nível de entrega de todos. O roteiro sugerido ao final do trabalho com o Zé Walter, fez sentir-me muito contemplado, tanto pelas relações entre as cenas mostradas, quanto pela abertura de criação que o roteiro possibilita. Senti-me satisfeito com as escolhas e possibilidade de aberturas que o roteiro permite. O desejo de fazer acontecer esse trabalho está muito forte em mim. E finalizo reafirmando a dificuldade que tenho sentido em resumir na escrita o que tenho vivido pulsante no corpo. A dramaturgia do nosso Retrato vem aos poucos ganhando vida, e essa organização dramatúrgica começou a partir do Zé, estou muito feliz com o que vem sendo produzido, e por ter conquistado um amigo/parceiro que me cativou no teatro e na vida.

     "Meninos brincam no quintal". É assim que me sinto, brincando no quintal da minha casa...

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