Por Arlindo Bezerra...
É difícil
relatar na escrita, o que aconteceu de forma tão viva no período de trabalho
com o Zé Walter, o terceiro Luna Lunera a nos visitar e compartilhar
experiências conosco. Já esperava que este seria o momento de iniciarmos
escolhas, já havíamos sido provocados pelo Odilon e Cláudio, o primeiro na
relação com a palavra enquanto ação vocal, e o segundo com a técnica do Contato
e Improvisação e o viewpoints, ambos em diálogo com a obra do Manoel de Barros.
A função que estava reservada para o Zé Walter neste momento do processo, era
de ser um olhar organizador para o que já havia sido criado, respeitando a
criação individual e coletiva da Bololô. O Zé executou com muita inteligência esse
trabalho. Confesso, que estava muito tenso no nosso primeiro encontro, tinha
medo de desapontar as expectativas que poderiam existir, mas o olhar carinhoso
que fomos criando entre todos, foi gradativamente me deixando confiante para se
entregar e desnudar-se. Já sentia que não precisaria existir uma preocupação de
desapontar ou não, a cumplicidade já estava estabelecida na atmosfera do nosso
trabalho.
Em
um primeiro momento, depois de havermos conversado sobre o trabalho, e tentado
explicar o percurso do processo, o Zé nos pediu para revelar na cena os
caminhos que havíamos percorrido. Fomos lembrando de alguns procedimentos que
tínhamos experimentado e entramos em laboratório com um espaço muito aberto
para o que poderia acontecer. E aconteceu... Revelamos algo. Uma das primeiras
coisas que o Zé considerou foi sobre a música dentro do trabalho, fazendo-nos perceber
o quanto a criação em laboratório estava sendo guiada pela música. E nos
colocou em um estado de silêncio, explorando as outras sonoridades que podemos
provocar. Individualmente foram feitas várias observações com muita
sensibilidade e cuidado. Cada um escutou coisas muito preciosas e que pertencem
a cada. Escutar e refletir, pra mim era suficiente...
A
generosidade do olhar que vi pulsar nos olhos do Zé trazia também o pensamento
de um grupo e a compreensão sobre o fazer cênico de um coletivo. Todos os
retornos que o Zé nos deu me fez acreditar ainda mais na força do nosso
trabalho. Longe da vaidade do ser bom ou ruim, mas na possibilidade de uma
coerência que podemos construir enquanto grupo, apropriando-se de um método de
criação que nos pertença. O trabalho do Retrato está para além de um espetáculo,
faz parte de um processo de formação de um grupo. Fico muito feliz e emocionado
com a oportunidade de termos como mestres os queridos do Luna Lunera (BH), um
grupo que cativamos uma profunda admiração.
O
trabalho com o Zé Walter nos fez pensar qual o lugar deste espetáculo,
iniciando uma criação de livres associações e conceitos com a obra do Retrato
do Artista Quando Coisa. A dramaturgia começou a ser desenhada. Questões do
tipo. O que essa obra fala? Qual o espaço deste lugar em que essas
quatro-coisas-corpo estão imersos? Como provocar imagens e sugestões? Como
dessacralizar o texto poético? Lembro que no ensaio aberto o Zé nos instigou a
pensar o que é o universo do Manoel. Surgiram várias definições: Poeta de
quintal, Meninos brincam no terreno baldio, e ainda, “dentro do quintal tudo é
possível”. Estamos no terreno da desutilidade, acredito.
Sobre
o ensaio aberto, foi uma experiência reveladora. Abrimos o processo para o
olhar de um público virgem. Me senti muito desafiado e provocado em fazer o
trabalho, fiquei muito orgulhoso da entrega que o coletivo teve, a energia que
irradiamos um para o outro foi incrível. Acreditamos no trabalho que mostramos.
E entendo que o ensaio não nos traz um resultado congelado da criação, não
podemos nos colocar em uma zona de conforto acreditando que o trabalho está
pronto, e acho que nunca estará. Sei que há um longo percurso ainda a ser
caminhado.
A
sintonia de trabalho de criação da equipe e a entrega ao processo, tem sido
muito significativo também, conseguimos criar diálogos muito provocadores e
intensos. É visível o nível de entrega de todos. O roteiro sugerido ao final do
trabalho com o Zé Walter, fez sentir-me muito contemplado, tanto pelas relações
entre as cenas mostradas, quanto pela abertura de criação que o roteiro
possibilita. Senti-me satisfeito com as escolhas e possibilidade de aberturas que o
roteiro permite. O desejo de fazer acontecer esse trabalho está muito forte em
mim. E finalizo reafirmando a dificuldade que tenho sentido em resumir na
escrita o que tenho vivido pulsante no corpo. A dramaturgia do nosso Retrato
vem aos poucos ganhando vida, e essa organização dramatúrgica começou a partir
do Zé, estou muito feliz com o que vem sendo produzido, e por ter conquistado
um amigo/parceiro que me cativou no teatro e na vida.
"Meninos
brincam no quintal". É assim que me
sinto, brincando no quintal da minha casa...
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