quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Luaretices, silbatilintes, arlimenções e paulatinamentadas

Olá, queridos parceiros de bordo.
A semana começou com alguns problemas de logística que tivemos que ir resolvendo com toda a calma. A cidade toda parece estar em crise e o nosso processo sempre ajuda a aliviar o coração, de alguma forma. Hoje acordamos com um presente de Tiago Landeira, nosso preparador vocal, e resolvemos dividí-lo com vocês.
Abraços bololoridos!  






"Como deitar num lugar de paina
Respirando o vento
E ver acontecer ao toque, a ilusão
Entre impressões vocais trazidas da insensatez
E de outro lugar da lembrança
Luaretices, silbatilintes, arlimenções
E, paulatinamentadas, as coisas formam o meu lugar de presente e de perto
Ah! Já não estou mais de fora da ilusão do meu afeto
Me apego aos braços e cru e dormente me sinto tão feliz."

(Landeira)







segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Experimentando deformantes para a voz


Semana começando, segunda-feira preguiçosa e de chuva em Natal. Nada melhor então do que relembrar o fim de semana. Hoje o assunto é a sexta-feira! Sexta-feira é nosso dia de preparar a voz e achar deformantes para ela. Para isso, contamos com nosso querido preparador vocal Tiago Landeira. Toda sexta é descoberta, e são sempre descobertas incríveis, de gostosas e surpreendentes, cheia de estímulos que à primeira vista soam abstratos, mas se corporalizam maravilhosamente na voz de quatro atores em busca.

Tiago na sexta passada nos passou uma série básica de exercícios vocais para repetirmos todos os dias, mesmo sem sua presença. Consiste em: exercícios de respiração, soltar o ar em S e Z, fazer ma me mi mo mu.... Essas coisas. Mas o mais incrível é o jeito como o Tiago nos ajuda a tirar nossas vozes sabe lá deus de onde. A minha e a de Paulinha, por exemplo, estavam muito “para trás”, tímidas, na garganta. Quando conseguimos colocá-las para frente, novas vozes ressoaram no espaço, com outro volume, outro peso, outro brilho.

Tiago, além da técnica, também experimenta conosco estímulos poéticos. Houve um trabalho, por exemplo, em que ele pediu para fazermos pequenas partituras vocais e corporais, que tinham como ponto de partida versos do Manoel de Barros. Cada um recebeu um verso. Silbat ficou com "uma rã me pedra".  Arlindo com ""um passarinho me árvore". Já o meu verso era “os jardins se borboletam.” A mim, Tiago pediu que o jardim fosse meu corpo e as borboletas a minha voz. Pediu ainda que houvesse um espinho no meu jardim. Lindo, né? O resultado foi uma voz que ele nunca tinha ouvido, e que eu nunca tinha experimentado tão conscientemente.

Já estou ansiosa pela próxima sexta, pra ver quais outros deformantes para a voz iremos explorar. 

Lua

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Como ondas de entulhos


Olá, caros leitores do processo do Retrato!

A semana passou como uma brincadeira boa, que acaba na melhor parte. Mas a postagem de hoje se destinará a comentar um pouco do que foi trabalhado na noite de ontem, quando passamos por mais uma condução do Silbat. O momento é de fazer muitos treinamentos físicos que nos ajudem a ter mais precisão e um perfeito reconhecimento de nosso cenário e figurinos = os objetos de descarte, e por isso, temos contado com a experiência que Rodrigo traz da dança pra nos ajudar nessa etapa.
O trabalho começou com um bolinho de nós quatro (Arlindo, Luana, Silbat e eu) no centro do espaço. Respirando juntos, de olhos fechados, tentando nos investigar internamente. São raros os momentos em que nos dispomos a escutar um pouquinho que seja o que o coração, o estômago, o sangue circulando, a pele, enfim, o corpo inteiro quer nos dizer. Pra um artista, essa é uma parte muito importante do trabalho.
Fomos convidados a espalhar, aleatoriamente e em silêncio, todos os nossos objetos pelo espaço. Sempre tendo o cuidado em perceber textura, peso, cor, de cada coisinha. Passamos então pra um exercício que tinha, basicamente, três focos: alongar o corpo, manter os apoios (pés, mãos, cotovelos, joelhos...) sempre em contato com um objeto e obedecer a um mesmo ritmo - tornando o deslocamento bastante fluido. Essa etapa foi se dinamizando de acordo com os estímulos que Silbat propunha.
    Trabalhamos a noite inteira em relação com os objetos. Fizemos séries de rolamentos variados, como quando tínhamos de sair de uma diagonal para a outra da sala, tentando carregar no corpo o maior número de coisas. Pra quem vê de fora é uma imagem muito bonita. Como ondas de entulhos passando por aquele chão cor de areia. Entulhos poéticos, principalmente pra nós, que já estamos tão familiarizados e temos afeto por cada pedacinho de tecido, caixa, miudeza.
Treinamos alguns saltos entre os espaços vazios também. Tudo isso pra adquirir, como falei anteriormente, precisão e familiaridade. No que se pisa, no que se pega, no que se joga, no que se coloca no corpo e transforma em parte de si. Finalizamos o trabalho tentando recuperar algumas figuras já criadas anteriormente e outras inéditas, no menor tempo possível. Um exercício crucial pra cena que pretendemos levar aos palcos daqui há dois meses, aproximadamente.  
 Como essa semana foi embora rapidinho, as outras também irão. Daqui a pouco tem espetáculo prontinho pra ser compartilhado. Chega a dar frio na barriga... mas que alegria será! 

Paulinha.

P.S.: Abaixo, uma foto da nossa nova sala de trabalho. Percebem o chão cor de areia?! Pois bem, é nele que o nosso suor tem se derramado nas últimas semanas. =)


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O Corpo Está aos Pingos....


 Por Alindo Bezerra:

Ontem realizamos o trabalho de treinamento técnico conduzido de forma primorosa por Silbat. Iniciamos com um alongamento que foi se redimensionando para um fluxo de movimento contínuo do corpo, e na sequência fomos agregando outras indicações de deslocamentos pelo espaço, ampliação do movimento no corpo, jogo do espelho, saltos, quadrantes considerando a técnica “viewpoints” utilizada nesse processo. Pensar e considerar a arquitetura do espaço, nos faz ganhar uma percepção espacial muito importante para este trabalho. O treinamento nos coloca em um estado de jogo e em uma relação viva, pulsante. O corpo ganha uma outra dinâmica, uma prontidão para o que está por vir. E esse foi apenas o início de um treinamento intenso e vibrante que ainda trilharemos, sem pressa, apenas se entregando um pouquinho mais a cada dia. Amanheci com o corpo todo dolorido, mas mesmo assim, entendo que a dor é necessária.
Como disse Paulinha ao final do trabalho, já na avaliação:
"Minha mão ainda treme e o corpo está aos pingos. Escrever é complicado nesse momento. Exige uma concentração e controle de musculaturas pequenas que estão pulando feito pipoca na panela. O caderno está ficando sujo do óleo da pipoqueira...
Porém, as pipocas ainda teriam condições de pular mais e mais, sem queimar e sem estragar o gosto."

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Antes tarde do que nunca...

Comecei o alongamento dos atores estimulado pelos pássaros e pelo "voar fora das asas", que o manoelzinho fala. Asas, tronco, rabo, pisada e por últmo a cabeça. Depois de todos os pássaros formados e ampliados, exauridos de tanto bater asas, pedi para que fossem diminuindo, até aquilo tudo se transformar num gesto. Todos caminharam em direção a camera fazendo esse gesto descoberto no encerrar dos vôos. Alex, que estava na camera, lembrou da imagem dos corpos com contrações abdominais da condução do Odilon, sentiu a mesma sensação. Incrível que todos os movimentos resultaram em gestos tristes, inibidos, e com pouca vida. E logo o pássaro que é símbolo da liberdade. ONDE ESTÁ SUA LIBERDADE? Perguntei aos atores, no fim. Elegi as cores azul, roxo e cinza para o trabalho. Todos foram se "vestir dessas cores" para iniciar o procedimento principal. Vestir é uma palavra já deslimitada entre nós do Bololô. O vestir passou a ser uma espécie de composição de outra figura, outro ser, um corpo-coisa. "Entulho serve para poema", diria manuelzinho, turbante de calça, sapato de saco, mãos de bolas de encher..., foram coisas vistas.  

Esse é um relato da nossa atividade no dia 20 de Agosto, dias antes da chegada do Zé Walter. Tivemos uma reunião para levantarmos os acontecimentos importantes nos laboratórios, para a chegada do nosso lunático da dramaturgia. Portando esse material, elegi uma cena interessante dentro do processo de cada um dos atores, quatro cenas. Relacionei cada cena a um dos poemas do "Retrato do artista quando coisa", quatro poemas. Utilizei o inventário de ações físicas e o de animais, construídos no período em que o Luna Odilon esteve conosco, e coletei tudo referente a cada poema selecionado para servir de estímulo para criação de movimentos:

 - Esse movimento precisa ter sentido pra você, se isso vai comunicar algo pra alguém é uma preocupação secundária. Os canais de entendimento são outros. Não esqueçam nenhuma parte do seu corpo, da unha do pé a pontinha da voz.

Esse foi o dia da cena de Arlindo, GERMINAÇÃO DE INÉRCIA. O poema referente foi o nono do Retrato, esse aqui.

"Havia no Lugar um escorrer azul de água
sobre as pedras do córrego
(Um escorrimento lírico.)
Andava por lá um homem que fora desde
criança comprometido para lata.
Andava entre rãs e borboletas.
Me impressionou a preferência das andorinhas
por ele.
Era um sujeito esmolambado à feição de ser
apenas uma coisa 
Era um sujeito esmolambado à feição de ser
apenas um trapo.
Percebi que o homem sofria por dentro de uma
enorme germinação de inércia.
Uma inércia que até contaminava o seu andar
e os seus trajos."

- MANOEL DE BARROS


Ações físicas utilizadas: Escorrer, Andar, impressionar-se, perceber, sofrer

Depois de criados um movimento para cada palavra, pedi que cada um juntasse os seus movimentos na ordem e na quantidade de vezes que quisesse, fazendo uma pequena "coreografia", cena.

Estímulos individuais: Paulinha - Criança e germinação de inércia
Luana - Borboletas e Andorinhas, com a indicação que ela teria que usar som na partitura 
Arlindo - Germinação de inércia e contaminar

Cada um adicionou seus dois estímulos a sua coreografia em forma de mais dois movimentos.

Fim do procedimento principal.

Durante a apresentação dos resultados utilizei o nosso IMAGINÁRIO, para preencher os movimentos com referências visuais. SUPER FUNCIONOU. Imaginário é o nosso dicionário de imagens para expressões, frases e palavras Manoelescas, fizemos ele no período que o Odilon "Esteves" aqui.

Experimentamos várias qualidades de movimento, suave, pesado, lento, rápido, entre outros, criamos outras experiências para essas coreografias. Fim do dia de trabalho, foi um dia suave.

Beijos do Silbat :)

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Dentro do Quintal, Tudo é Possível...



 Por Arlindo Bezerra...

É difícil relatar na escrita, o que aconteceu de forma tão viva no período de trabalho com o Zé Walter, o terceiro Luna Lunera a nos visitar e compartilhar experiências conosco. Já esperava que este seria o momento de iniciarmos escolhas, já havíamos sido provocados pelo Odilon e Cláudio, o primeiro na relação com a palavra enquanto ação vocal, e o segundo com a técnica do Contato e Improvisação e o viewpoints, ambos em diálogo com a obra do Manoel de Barros. A função que estava reservada para o Zé Walter neste momento do processo, era de ser um olhar organizador para o que já havia sido criado, respeitando a criação individual e coletiva da Bololô. O Zé executou com muita inteligência esse trabalho. Confesso, que estava muito tenso no nosso primeiro encontro, tinha medo de desapontar as expectativas que poderiam existir, mas o olhar carinhoso que fomos criando entre todos, foi gradativamente me deixando confiante para se entregar e desnudar-se. Já sentia que não precisaria existir uma preocupação de desapontar ou não, a cumplicidade já estava estabelecida na atmosfera do nosso trabalho. 
            Em um primeiro momento, depois de havermos conversado sobre o trabalho, e tentado explicar o percurso do processo, o Zé nos pediu para revelar na cena os caminhos que havíamos percorrido. Fomos lembrando de alguns procedimentos que tínhamos experimentado e entramos em laboratório com um espaço muito aberto para o que poderia acontecer. E aconteceu... Revelamos algo. Uma das primeiras coisas que o Zé considerou foi sobre a música dentro do trabalho, fazendo-nos perceber o quanto a criação em laboratório estava sendo guiada pela música. E nos colocou em um estado de silêncio, explorando as outras sonoridades que podemos provocar. Individualmente foram feitas várias observações com muita sensibilidade e cuidado. Cada um escutou coisas muito preciosas e que pertencem a cada. Escutar e refletir, pra mim era suficiente...
            A generosidade do olhar que vi pulsar nos olhos do Zé trazia também o pensamento de um grupo e a compreensão sobre o fazer cênico de um coletivo. Todos os retornos que o Zé nos deu me fez acreditar ainda mais na força do nosso trabalho. Longe da vaidade do ser bom ou ruim, mas na possibilidade de uma coerência que podemos construir enquanto grupo, apropriando-se de um método de criação que nos pertença. O trabalho do Retrato está para além de um espetáculo, faz parte de um processo de formação de um grupo. Fico muito feliz e emocionado com a oportunidade de termos como mestres os queridos do Luna Lunera (BH), um grupo que cativamos uma profunda admiração.
            O trabalho com o Zé Walter nos fez pensar qual o lugar deste espetáculo, iniciando uma criação de livres associações e conceitos com a obra do Retrato do Artista Quando Coisa. A dramaturgia começou a ser desenhada. Questões do tipo. O que essa obra fala? Qual o espaço deste lugar em que essas quatro-coisas-corpo estão imersos? Como provocar imagens e sugestões? Como dessacralizar o texto poético? Lembro que no ensaio aberto o Zé nos instigou a pensar o que é o universo do Manoel. Surgiram várias definições: Poeta de quintal, Meninos brincam no terreno baldio, e ainda, “dentro do quintal tudo é possível”. Estamos no terreno da desutilidade, acredito.
            Sobre o ensaio aberto, foi uma experiência reveladora. Abrimos o processo para o olhar de um público virgem. Me senti muito desafiado e provocado em fazer o trabalho, fiquei muito orgulhoso da entrega que o coletivo teve, a energia que irradiamos um para o outro foi incrível. Acreditamos no trabalho que mostramos. E entendo que o ensaio não nos traz um resultado congelado da criação, não podemos nos colocar em uma zona de conforto acreditando que o trabalho está pronto, e acho que nunca estará. Sei que há um longo percurso ainda a ser caminhado.
            A sintonia de trabalho de criação da equipe e a entrega ao processo, tem sido muito significativo também, conseguimos criar diálogos muito provocadores e intensos. É visível o nível de entrega de todos. O roteiro sugerido ao final do trabalho com o Zé Walter, fez sentir-me muito contemplado, tanto pelas relações entre as cenas mostradas, quanto pela abertura de criação que o roteiro possibilita. Senti-me satisfeito com as escolhas e possibilidade de aberturas que o roteiro permite. O desejo de fazer acontecer esse trabalho está muito forte em mim. E finalizo reafirmando a dificuldade que tenho sentido em resumir na escrita o que tenho vivido pulsante no corpo. A dramaturgia do nosso Retrato vem aos poucos ganhando vida, e essa organização dramatúrgica começou a partir do Zé, estou muito feliz com o que vem sendo produzido, e por ter conquistado um amigo/parceiro que me cativou no teatro e na vida.

     "Meninos brincam no quintal". É assim que me sinto, brincando no quintal da minha casa...